sábado, 8 de novembro de 2008

Insofismável



INSOFISMÁVEL

Este corpo que atravessa a vida, a garganta, o tempo
atravessa o fosso, a fossa, o vento
sempre mensurável como o gado e o feno

Este corpo, irrecusável instrumento, indissoluvelmente afinado com o tempo
luta para se manter atento, pulsante e, às vezes, dormente
como porta, concha, moinho, cata-vento

Atravessa a noite, o sono, o sonho, a estação, o trem
a fronha, o cabelo, o pente

Veste caras, amores, rancores, bocas, dentes
abraços, espantos, pássaros, serpentes.

Atravessa o gozo, o abraço e a aguardente

Contudo, acorda pesado
e só não consegue atravessar a cova, a faca, a dor de dente.

Hideraldo Montenegro
http://www.clubedeautores.com.br/book/148379--INDECIFRAVEL

Despedida




DESPEDIDA


Não me esperem para o jantar
Não me esperem nas esquinas
Não sejam bestas em me esperar
Sigam em frente


Escovem os pés penteiem os dentes
Façam a festa
Cantem dancem
e soltem todos os seus fantasmas
de mim
e velas não precisam acender

Digam apenas adeus
e me deixem em paz
que daqui não saio mais

-Afinal, este meu silêncio
não é convincente?

Indisfarçável




INDISFARÇÁVEL


Mas, a língua que toca
o céu
da tua boca
embota
a fala
que se espalha
nos teus olhos
- sala aberta da palavra

Certeza



CERTEZA


O que desta mão resta
luz, escuridão, fresta?
Que chão pouso a memória
por onde anda o vôo
a semente, o grão?

E o mundo em volta,
volta ao começo
de tudo
tudo é apenas recordação
pouso amplidão

E o chão nos espera
em estradas já traçadas
-linhas da mão

Trincheira





TRINCHEIRA


Que venham as cegonhas
Que venham os abraços abertos
Que venha o sorriso leve fixo certo
Que venham as mentiras as verdades e as vergonhas
Que venham o vôo e o pouso e os netos
Que venham todos os aeroportos
Que venham e passem todos
que preciso continuar em campo aberto
vivo ou morto

sábado, 1 de novembro de 2008

Constatação





CONSTATAÇÃO


Os mortos estão mortos
e os vivos estão para morrer

A vida corre pelos corredores
e todos vãos abertos estão
para a veia e a cova
somos tudo nada
somos nada tudo
em vão
sim e não
absolutamente
grão
fome e pão
somos não
Infinitamente
chão